sábado, 25 de agosto de 2012

História negra e indígena

LEI Nº 10.639 E  PARECER CNE/CP Nº 003/2004: O PROBLEMA DAS HISTÓRIAS E CULTURAS OCULTADAS
Marcelo Pereira
           

Recuperando o espaço ocupado pelo etnocentrismo negro na primeira redação da Lei Nº 10.639 de 2003 (que tornava obrigatório apenas o estudo da história e cultura “afro-brasileira”), a Lei nº 11.645 de 2008 finalmente contemplou o estudo da história e cultura indígena, tornando-o, ao lado da negra, obrigatório nos estabelecimentos de ensino.
           
Embora deixe as marcas de que o negro é mais importante do que o indígena (a palavra “negro” sempre antecede “indígena” e só se menciona a história da África), a nova redação da Lei Nº 10.639 (dada pela Lei Nº 11.645) determina que o conteúdo programático do ensino também incluirá, entre outras coisas, aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir do grupo indígena.

Para não ser discriminatória, a Lei Nº 10.639 precisa agora contemplar explicitamente o mestiço. Tornando-o visível, será possível compreender a formação de grande parte da população brasileira se deu não apenas a partir do indígena e do africano, mas também do europeu (sem que a contribuição deste seja superestimada ou ocultada). Bem ou mal, os portugueses também são responsáveis pela formação da história e da cultura da população mestiça desde a colonização, assim como os japoneses têm sido a partir do começo do século XX

Tratar do mestiço é também uma maneira de compreender o Brasil. O antropólogo Darcy Ribeiro, por exemplo,  atribuiu primeiramente ao mestiço da mulher tupi-guarani com o homem português – outrora denominado mameluco e hoje caboclo – “o papel principal na formação da sociedade brasileira”, uma vez que não era  índio  nem europeu. Embora Darcy considerasse os tupis e os portugueses como “protocélulas” da cultura brasileira, ele também atribuiu ao mulato um papel importante na formação posterior da nossa sociedade e na consciência de ser brasileiro, uma vez que tal mestiço não era africano nem europeu.

Das referidas protocélulas da nossa cultura, que tinham “uma feição essencialmente tupi”, surgiu a cultura brasileira rústica. Darcy Ribeiro assinala esta se estende por “áreas culturais”: a sertaneja (no Nordeste árido e nos cerrados do Centro-Oeste), cabocla (na Amazônia), a caipira (no Centro-Sul), etc. A cultura caipira, por exemplo, é compartilhada pelo “caipira branco”, o “caipira caboclo”, o “caipira preto” e o “caipira mulato”, segundo Cornélio Pires.

Darcy  Ribeiro trata apenas das chamadas culturas tradicionais, mas é possível distinguir uma cultura mulata urbana (produto do encontro das tradições culturais europeias e africanas), que nasceu no Brasil colonial e floresceu sobretudo na região de Minas Gerais do século XVIII e no Rio de Janeiro do século XIX. Há outras culturas mestiças urbanas: multiétnica, luso-nipo-brasileira, etc.


História negra e indígena

            No Brasil colonial e imperial, a mestiçagem não aconteceu apenas nas aldeias indígenas e nas senzalas: nos quilombos nasceram cafuzos (mestiços de origem indígena e negra), oriundos do violento rapto de índias pelos negros. Símbolo de liberdade do Movimento Negro, o quilombo também foi o cativeiro e o local de estupro  de mulheres indígenas. Em entrevista ao Estado de S. Paulo (23/11/2003), a geneticista Silviene Oliveira relatou que populações de remanescentes de quilombos “contam como uma avó ou bisavó índia foi caçada por cães para o quilombo.” Houve, porém, casos de alianças entre indígenas e quilombolas.

Fora dos quilombos, o “sangue” indígena também chegou a grande parte dos brasileiros através do caboclo (ou mameluco). A miscigenação entre descendentes de índios e de africanos devia ser tão generalizada no século XIX que o intelectual branco Sílvio Romero previa que uma parte do povo brasileiro seria uma mescla  “áfrico-indiana” (e outra, “latino-germânica”). O resultado do Retrato Molecular do Brasil revelou, porém, que há três elementos comuns a quase todos.

Sérgio Danilo Pena assinala em “Retrato Molecular do Brasil, Versão 2001” (Homo brasilis, ed. FUNPEC-RP) que “30% dos brancos - ou seja, quase 22.190.000 - indivíduos possuem haplogrupos mitocondrias” (isto é, linhagens maternas) indígenas e observa: “Se levarmos em conta indivíduos pardos e negros, podemos calcular grosseiramente que 40 a 50 milhões de brasileiros não ameríndios possuem DNA mitocondrial ameríndio.”  Diferentemente do que quer fazer acreditar o Parecer CNE/CP 0003/2004, os “pretos” e os pardos não são somente descendentes de africanos.



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