domingo, 30 de setembro de 2012

RACISMO E EDUCAÇÃO

RACISMO E EDUCAÇÃO
Marcelo Pereira


            Com o objetivo de determinar o núcleo-comum para os currículos do ensino de 1º e 2º graus durante a última ditadura, o Parecer nº 853/1971 do Conselho Federal de Educação dividiu as matérias em três grandes linhas:  (a) Comunicação e Expressão, (b) Estudos Sociais e (c) Ciências.

            Os Estudos Sociais incluíam as matérias Geografia, História e Organização Sociais e Política do Brasil (OSPB). Esta foi introduzida com “a função de sublinhar” um dos objetivos do ensino de História e Geografia, ou seja, “contribuir para situar construtivamente o homem em ‘sua circunstância’”. Segundo o Parecer nº 853/1971, para a matéria OSPB também deviam convergir todas as demais matérias, “com vistas a uma efetiva tomada de consciência da cultura brasileira, nas suas manifestações mais dinâmicas, e do processo em marcha do desenvolvimento nacional.”

 Alvo de críticas, a matéria OSPB foi eliminada dos currículos de ensino com a democratização do país. No entanto, ela pode servir para medir o impacto do racismo oficial na educação da época. Qual era a ideologia racial então vigente?

            O sociólogo Thales de Azevedo deixa subentendido numa nota do livro Democracia Racial que ainda havia resquícios de racismo contra mestiços no começo da década de 70, ao notar que, em dois artigos publicados no Jornal do Brasil em maio de 1972, J. O. Meira Pena “desmacara a pretensão oficial de apresentar o Brasil como país branco”, com um “número de mestiços ... como desejam algumas publicações oficiais, ‘diminuto’”.

            Vejamos se a ideologia racial do Estado Brasileiro, apontada por Meira Pena, estava presente ou não num livro didático da época. O único livro até agora encontrado para análise é intitulado Organização Social e Política do Brasil (São Paulo: Editora Moderna, 1977, 2. ed.). É de autoria de João Gabriel Montefusco.

            Montefusco trata, no capítulo 3 do seu livro, da “Etnia Brasileira”. Primeiramente, ele define etnia como “um conjunto de indivíduos que apresentam idênticas características físicas e culturais” e, a seguir, afirma que, “[n]a formação étnica do povo brasileiro, participaram principalmente três elementos: brancos (“principalmente portugueses”), negros (“principalmente Bantos e Sudaneses”) e indígenas (“compreendendo principalmente quatro grupos de tribos, como: Tupi-guaranis, Tapuias, Caraíbas e Nu-aruaques.”).
             
            O autor nota que esses “elementos não se mantiveram isolados, mas apresentaram um amplo processo de miscigenação do qual resultou um avultado número de mestiços.” Em seguida, apresenta a proporção de cada um desses elementos na população brasileira da época – brancos (51%), negros (6%), indígenas (1%) e mestiços (42%) –  e comenta:

            “Observa-se, portanto, que quase metade da população é de origem mestiça; aliás, a cada nova contagem da população, esse número aumenta, demonstrando que o processo de mistura continua cada vez mais atuante.”.

            Atentando para a diversidade no seio da população mestiça, Montefusco assinala:

            “É possível reconhecer três tipos fundamentais de mestiços:
           
 Mamelucos ou caboclos – resultantes do cruzamento de brancos com índios.
Mulatos – resultantes do cruzamento de brancos com negros.
Cafusos – resultantes do cruzamento de negros com índios.”


            E, por fim, o autor observa que,  “[d]esses mestiços, o mais numeroso é o mulato, o qual chega a representar cerca de 18% da população brasileira.” Dos cinco quadros com destaque a dados ou informações apresentados no capítulo, dois se referem aos mestiços.

                       
            Numa época em que não havia liberdade de expressão e em que ainda se encontravam resquícios de velho branqueamento (política que tinha como objetivo formar um Brasil com uma população apenas de aparência branca) e de mestiçofobia, percebe-se que o livro analisado não reproduziu a ideologia racial oficial vigente no começo dos anos 70.


Racismo cordial


A análise de outros livros de Estudos Sociais pode mostrar se havia ou não uma preocupação, por parte dos racistas  que estavam então no poder, de impor a sua ideologia racial através da educação, como ocorre no presente. A este respeito, é eloquente o trabalho realizado por Ana Paula Pereira Gomes no programa “São Paulo: educando pela diferença para a igualdade”, desenvolvido pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e subvencionado pelo Governo do Estado de São Paulo, com o apoio da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Através do site www.ufscar.br/~neab, Ana Paula Pereira Gomes respondeu a perguntas de professores da rede de ensino do Estado. Vinte delas foram publicadas no capítulo 6 do livro curiosamente intitulado Educação como prática da diferença (Editora Autores Associados), organizado por Anete Abramowicz, Lucia Maria de Assunção Barbosa e Valter Roberto Silvério.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide a população brasileira em cinco raças ou cores e as define, conforme indicado no verbete “cor ou raça” do seu Atlas Geográfico Escolar, da seguinte maneira: “branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, corea etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoas de outra cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia). Muito provavelmente, João Gabriel Montefusco utilizou mestiço como sinônimo de pardo no seu livro de OSPB.


No entanto, Ana Paula Pereira Gomes observa na questão 16 do capítulo “Respondendo a perguntas de professores da rede pública sobre a questão racial” do referido livro que a “definição para cor ‘parda’ não é esclarecedora” e indaga: “Como definir para o aluno?” E explica: “Toda pessoa que tem pele clara e ausência de algum(ns) traço(s) diacrítico(s) como cabelo crespo, nariz arredondado, lábios grossos etc., mas presença de outros e (ou) reconheça um pertencimento de origem associada aos negros pode ser considerada parda. Pardo é a categoria usada para identificar de alguma forma a esse grupo populacional mesmo sem exibir explicitamente todos os traços identificados com esse grupo. Assim, percebemos que a categorial racial negro inclui duas categorias de cor: preto e pardo.”

            Na questão 5 do referido capítulo, Ana Paula Pereira Gomes já exprime a sua percepção, afirmando que  “preto é um termo que se refere à aparência dos negros e pele escura, e que com o termo pardo forma o par das categorias de cor da população negra.”  Essa definição viola, porém, o item 56 da Declaração de Durban, que diz: “Reconhecemos a existência em muitos países de uma população mestiça de diferentes origens étnicas e raciais e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e do respeito nessas sociedades; e condenamos a discriminação de que é vítima, especialmente porque tal discriminação pode ser negada devido à sua sutil natureza.”

O Brasil é signatário da Declaração de Durban, produto da III Conferência Mundial  da ONU contra o Racismo. A definição de pardo de Ana Paula Pereira Gomes está em consonância com três propostas mestiçófobas apresentadas ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, contidas nas três edições do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), e com a atual ideologia racial do Estado Brasileiro.




           

           

           
           

sábado, 25 de agosto de 2012

História negra e indígena

LEI Nº 10.639 E  PARECER CNE/CP Nº 003/2004: O PROBLEMA DAS HISTÓRIAS E CULTURAS OCULTADAS
Marcelo Pereira
           

Recuperando o espaço ocupado pelo etnocentrismo negro na primeira redação da Lei Nº 10.639 de 2003 (que tornava obrigatório apenas o estudo da história e cultura “afro-brasileira”), a Lei nº 11.645 de 2008 finalmente contemplou o estudo da história e cultura indígena, tornando-o, ao lado da negra, obrigatório nos estabelecimentos de ensino.
           
Embora deixe as marcas de que o negro é mais importante do que o indígena (a palavra “negro” sempre antecede “indígena” e só se menciona a história da África), a nova redação da Lei Nº 10.639 (dada pela Lei Nº 11.645) determina que o conteúdo programático do ensino também incluirá, entre outras coisas, aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir do grupo indígena.

Para não ser discriminatória, a Lei Nº 10.639 precisa agora contemplar explicitamente o mestiço. Tornando-o visível, será possível compreender a formação de grande parte da população brasileira se deu não apenas a partir do indígena e do africano, mas também do europeu (sem que a contribuição deste seja superestimada ou ocultada). Bem ou mal, os portugueses também são responsáveis pela formação da história e da cultura da população mestiça desde a colonização, assim como os japoneses têm sido a partir do começo do século XX

Tratar do mestiço é também uma maneira de compreender o Brasil. O antropólogo Darcy Ribeiro, por exemplo,  atribuiu primeiramente ao mestiço da mulher tupi-guarani com o homem português – outrora denominado mameluco e hoje caboclo – “o papel principal na formação da sociedade brasileira”, uma vez que não era  índio  nem europeu. Embora Darcy considerasse os tupis e os portugueses como “protocélulas” da cultura brasileira, ele também atribuiu ao mulato um papel importante na formação posterior da nossa sociedade e na consciência de ser brasileiro, uma vez que tal mestiço não era africano nem europeu.

Das referidas protocélulas da nossa cultura, que tinham “uma feição essencialmente tupi”, surgiu a cultura brasileira rústica. Darcy Ribeiro assinala esta se estende por “áreas culturais”: a sertaneja (no Nordeste árido e nos cerrados do Centro-Oeste), cabocla (na Amazônia), a caipira (no Centro-Sul), etc. A cultura caipira, por exemplo, é compartilhada pelo “caipira branco”, o “caipira caboclo”, o “caipira preto” e o “caipira mulato”, segundo Cornélio Pires.

Darcy  Ribeiro trata apenas das chamadas culturas tradicionais, mas é possível distinguir uma cultura mulata urbana (produto do encontro das tradições culturais europeias e africanas), que nasceu no Brasil colonial e floresceu sobretudo na região de Minas Gerais do século XVIII e no Rio de Janeiro do século XIX. Há outras culturas mestiças urbanas: multiétnica, luso-nipo-brasileira, etc.


História negra e indígena

            No Brasil colonial e imperial, a mestiçagem não aconteceu apenas nas aldeias indígenas e nas senzalas: nos quilombos nasceram cafuzos (mestiços de origem indígena e negra), oriundos do violento rapto de índias pelos negros. Símbolo de liberdade do Movimento Negro, o quilombo também foi o cativeiro e o local de estupro  de mulheres indígenas. Em entrevista ao Estado de S. Paulo (23/11/2003), a geneticista Silviene Oliveira relatou que populações de remanescentes de quilombos “contam como uma avó ou bisavó índia foi caçada por cães para o quilombo.” Houve, porém, casos de alianças entre indígenas e quilombolas.

Fora dos quilombos, o “sangue” indígena também chegou a grande parte dos brasileiros através do caboclo (ou mameluco). A miscigenação entre descendentes de índios e de africanos devia ser tão generalizada no século XIX que o intelectual branco Sílvio Romero previa que uma parte do povo brasileiro seria uma mescla  “áfrico-indiana” (e outra, “latino-germânica”). O resultado do Retrato Molecular do Brasil revelou, porém, que há três elementos comuns a quase todos.

Sérgio Danilo Pena assinala em “Retrato Molecular do Brasil, Versão 2001” (Homo brasilis, ed. FUNPEC-RP) que “30% dos brancos - ou seja, quase 22.190.000 - indivíduos possuem haplogrupos mitocondrias” (isto é, linhagens maternas) indígenas e observa: “Se levarmos em conta indivíduos pardos e negros, podemos calcular grosseiramente que 40 a 50 milhões de brasileiros não ameríndios possuem DNA mitocondrial ameríndio.”  Diferentemente do que quer fazer acreditar o Parecer CNE/CP 0003/2004, os “pretos” e os pardos não são somente descendentes de africanos.



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Afrodescendentes brancos

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E OS “AFRODESCENDENTES”
Marcelo Pereira



Desenvolvido por uma equipe de geneticistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sob a orientação do Dr. Sérgio Danilo Pena, o extraordinário estudo Retrato Molecular do Brasil  comprovou o que cientistas sociais, como Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre,  já afirmavam: os brancos brasileiros também têm ascendência africana. Tal estudo revelou  que os brancos  possuem, em média, 28% de linhagens maternas africanas.

No artigo “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?” (revista Estudos Avançados, nº 50), Sérgio Danilo Pena e Maria Cátira Bortolini  traduzem a importância do Retrato Molecular do Brasil: definindo “como afrodescendente toda pessoa com mais de 10% de ancestralidade africana”, esses geneticistas  chegam a resultados que eles próprios consideram impressionantes: “87% dos brasileiros, ou seja, cerca de 146 milhões de pessoas pelo censo de 2000, apresentam mais de 10% de ancestralidade africana. Os dados mostram também que 48% dos afrodescendentes brasileiros se autoclassificam como brancos”.

            O Retrato Molecular do Brasil foi divulgado pela imprensa em 2000. No entanto, o Parecer CNE/CP Nº 003/2004, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, considera como “afrodescendentes” ou “afro-brasileiros” apenas as populações parda e preta (segundo a classificação de “raça ou cor” do IBGE) – o que prova que o termos afrodescendente e afro-brasileiro são ideológicos e devem ser utilizados com prudência.

Ansiosos por dividir o Brasil em “brancos e afro-brasileiros” ou “brancos e negros” de facto e não apenas teoricamente (como bem mostram as estatísticas das desigualdades “raciais”), os militantes negros não gostaram dos resultados da pesquisa Retrato Molecular do Brasil. Em entrevista à revista Veja (20/12/2000) o militante negro Athayde Motta declarou: “O mito da democracia racial ganhou um simulacro de suporte científico.”

Como bem observou a revista Veja, a “pesquisa obviamente não trata de democracia racial. Ela emprega a genética para comprovar cientificamente e quantificar os níveis de miscigenação que as ciências sociais já haviam esquadrinhado.” Cabe  ao educador ou cidadão sensato, então, refletir sobre as consequências de um país artificialmente dividido entre “brancos e negros” ou constituído apenas por “afrodescendentes”, descendentes de europeus, descendentes de asiáticos e povos indígenas sem mistura genética e mestiços, como quer o Parecer CNE/CP Nº 003/2004.

            Ficam também para reflexão as palavras do Dr. Sérgio Pena em “Retrato Molecular do Brasil, Versão 2001” (disponível no livro Homo brasilis, publicado pela Editora FUNPEC-RP e organizado pelo mesmo): “Pode ser ingênuo de nossa parte, mas gostaríamos de acreditar que, se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso, valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo, construiriam, no século XXI, uma sociedade mais justa e harmônica.”





quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Introdução

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE ÉTNICA
Marcelo Pereira


Em 17 de junho de 2004, o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu, através da Resolução Nº 1, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, a serem observadas pelas Instituições de Ensino que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais pretendem, entre outras coisas, “promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de uma nação democrática.”

Com o intuito de atingir os seus objetivos, a Resolução Nº 1 de 2004  determina que os sistemas de ensino incentivem “pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira” e promovam a ampla divulgação do Parecer CNE/CP 003/2004.


Parecer:  limites e contradições

            Em março de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou, através do  Parecer CNE/CP Nº 003/2004, diretrizes curriculares nacionais não apenas para a educação das relações étnico-raciais, mas também  para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. A Resolução Nº 1 de 2004  é um desdobramento do Parecer CNE/CP Nº 003/2004.

Consta nas Questões introdutórias do referido parecer que ele “procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente”  (isto é, dos militantes negros). Embora o Parecer CNE/CP Nº 003/2004 destaque que “não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira”, tal parecer é visivelmente negrocêntrico ou afrocêntrico: por um lado, ele pretende impor uma identidade negra ou afro-brasileira aos “pardos” – mestiços que também têm ascendência indígena e/ou europeia; por outro, trata somente das reivindicações dos militantes negros. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, relatora do Parecer CNE/CP Nº 003/2004, é militante negra.  


Educação das Relações Étnico-Raciais


A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo, segundo a Resolução Nº 1 de 2004 , “a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.”

Não obstante o etnocentrismo negro, o Parecer CNE/CP Nº 003/2004 estabelece alguns princípios que podem orientar os profissionais da educação e os cidadãos realmente comprometidos com os direitos humanos e culturais de todos os brasileiros. Um deles é o princípio de consciência política e histórica da diversidade. Tal princípio deve conduzirà compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história”.

Que grupos étnico-raciais constituem a sociedade brasileira? Utilizando o conceito de “cor ou raça” e não o de  “grupos étnico-raciais” do Parecer CNE/CP Nº 003/2004, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão oficial responsável pela coleta de dados demográficos, divide a população brasileira da seguinte maneira:  “amarela”, “branca”, “indígena”, “parda” e “preta”.

No seu Atlas geográfico escolar, o IBGE define cor ou raça da seguinte maneira: “Característica declarada pelas pessoas com base nas seguintes opções: branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia).”

  As pessoas de origem japonesa, chinesa ou coreana se veem em conjunto como “amarelas”, conforme o IBGE as classifica, ou como descendentes de “asiáticos”, segundo a denominação do Parecer CNE/CP Nº 003/2004? Os mulatos, os caboclos e outros mestiços de cor morena se dizem pardos, conforme a classificação do IBGE,  ou “afro-descendentes”, como os denomina o Parecer CNE/CP Nº 003/2004?

Pesquisas do IBGE e do Instituto Datafolha já revelaram que os “pardos” se autodenominam, majoritariamente, “morenos”.  E como os mestiços de origem oriental e branca, por exemplo, se identificam? O Parecer CNE/CP Nº 003/2004 tampouco trata dos mestiços:  além de ignorá-los, deixa por conta das escolas  incluir no contexto dos estudos e atividades” as “contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos”, sem quaisquer orientações. Como lidar com esses problemas?

As pessoas realmente comprometidas com a democracia devem respeitar a maneira como as diferentes populações brasileiras se identificam – o que significa, por outro lado, fazer valer o princípio de fortalecimento de identidades e de direito proposto pelo Parecer CNE/CP Nº 003/2004. Esse princípio deve orientar para  “o desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida”.